sexta-feira, 28 de agosto de 2009

"Do fracasso" ou "Como realizar o texto impossível"

"Lutar com palavras
É a luta mais vã.
Entanto lutamos
Mal rompe a manhã.
(...)
Lutar com palavras
Parece sem fruto.
Não têm carne e sangue
Entretanto, luto.
(...)"
O LUTADOR - CDA

Queria eu dizer em poemas o exato desespero que há em meus entretantos. É falho o meu desejo e fracasso amargamente. Por tantas vezes eu preferi dizer da maneira mais suave, sem o critério de impactar ou dar ao meu único leitor (único) a impressão correta de meus sentimentos. Mas é ainda uma questão se isso realmente importa, ou se a intencionalidade se perde aos olhos alheios.

Deveria ser isso objeto de questionamento do outro, não meu. Mas sou ainda mais crítica quando me observo e tento recuperar em palavras antigas a mesma sensação, a mesma linha tênue de sentimento rompido, o mesmo tudo.
Quero ainda poder limitar minhas ideias utilizando um recurso diverso, que não as linhas horizontais onde tudo se encaixa. Ser tão exata em minhas declarações que seria possível aos que não me conhecem resgatar as medidas de meus desassossegos. Como fazê-lo, todavia, se é antes impossível manter a reação até o momento seguinte à ela? Para tanto, seria ainda necessário manter a sensação para além dos desejos de manifestar e, não obstante, realizar o manifesto eficiente.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Um poema em primeira pessoa - ou - O poeta e o nada

A lírica, desde sua origem conhecida, comporta o que nós chamamos de subjetividade. Isto é, escrevo o que aparento sentir, narro acontecimentos e sentimentos que concernem a mim e somente a mim e do modo como eu vejo. Choro, sofro, reflito e, o mais importante, digo sempre EU. É só dar uma olhada mais abaixo: "Deve ser disso que quero tanto falar", "Erro ainda em procurar no objeto em si seu reflexo", "tudo o que anseio permanece aqui". Adoro ler poemas líricos, e com respeito a estes digo o mesmo, ou seja: o que me incomoda não é ler poemas em que reina absoluto um EU. É escrevê-los.
Você deve estar pensando: esse garoto o que é é muito pedante. Mas, veja, a questão é muito mais complexa do que se imagina. Passemos em revista os meus sofrimentos e você verá.
Pode-se sintetizar a dor que os poetas sentem em apenas algumas poucas categorias, que são sempre revisitadas por este ou aquele poeta desta ou daquela forma. As principais categorias são: relações amorosas, conflitos entre EU e o mundo, angústia sem motivo nenhum (o mais comum deles), conflitos interiores. Como não escrevo num blog científico, não me preocupo com a precisão objetiva destas categorias, apenas fornecer uma ideia que vocês possam utilizar como base para a compreensão do que virá a seguir (só se lembrem de que não se trata de toda a poesia, apenas da que trata da dor). Bem, agora vejamos do que é que eu padeço: primeiro, no momento não tenho nenhuma relação amorosa ou paixão com que me preocupar; isso é um problema, mas não, na minha opinião, um material ideal para um poema lírico. Segundo, sofro porque eu sou cruel, e não porque o mundo é cruel; se eu sou cruel, como EU pode reclamar do mundo? Terceiro, angústia sem motivo algum pra mim se chama depressão, e se eu estivesse deprimido iria a um médico, não escreveria um poema. Por fim, temos os conflitos interiores, e esta última classificação é a mais complexa de todas: o EU contra o EU.
Como já disse, tenho problemas em escrever poemas na primeira pessoa - na verdade me recuso. Se eu tivesse de escrever um, seria algo como:
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Mas outro já escreveu antes de mim. Estes dois versos resumem bem o que represento para o mundo e o que devo representar para mim mesmo: o vazio. Só porque sou um pedaço de matéria consciente significa que sou de fato alguma coisa? Que o nosso mundo representa alguma coisa? Existem infinitos mundos, cada qual com os seus deuses: por que o meu mundo e os deuses do meu mundo seriam melhores do que os outros e os deuses dos outros? Se os deuses do meu mundo não têm importância, por que meus conflitos teriam?
O homem o que é é muito egocêntrico.
É só vocês lembrarem esta máxima: a poesia está para o homem assim como miar está para o gato. O sublime não é tão sublime, porque não há como transcender nossa animalidade. Esta é a maior verdade que já se ousou dizer algum dia e (embora perturbadora), com certeza, Indubitável.
FIM

terça-feira, 4 de agosto de 2009

(lat speculu)

O meu peito deseja e, estranho, persegue as palavras que faltam ao meu truncado sentido. No desassossego, acabei por entender a necessidade da vida/morte das coisas - eu mesmo me dividi em vários pedaços mortos/vivos pouco delimitados. Foi o inverno que trouxe o tempo; o excesso trouxe a maldita sensação de que sei das coisas: não há no mundo alguém mais obstinado em me pertencer que eu, alguém que pretenda mais conhecer-me que este indivíduo que me habita.

É no exame do espelho que o indivíduo me estranha: há alguém neste mundo igual ao eu que imagino de mim? Responde, então, a minha face, que sou eu mesmo a me procurar. Não encontro fundamento, porém, para manifestar a realidade do que vejo ou do que escuto, miúdo, dentro da concha. Aleatoriedades à parte, a perturbação de não conhecer o indivíduo refletido é ainda maior do que a morbidez de negá-lo. Aquele lá, não sou mesmo eu. Aquele lá, não sei quem é.

Demora a superfície a refletir o ser e nesse milésimo de tempo eu mudo infinitamente até que seja outro e não eu. Percebo ainda a ineficácia do espelho que procura um ângulo adequado da imagem, cuja intenção pode ser vagamente especulada. Erro ainda em procurar no objeto em si seu reflexo, sendo ele tudo o que o objeto produz. Culpo o tempo, o espelho e tudo o que há, porque não sou eu o ser mimético refletido. Amargo, o não-eu desaparece do reflexo e me segue. Agora sou eu e minha não-imagem percorrendo o caminho vazio da auto-afirmação. Só porque não gostei do que vi.

domingo, 2 de agosto de 2009

Um filho ou de repente

Deve ser da força lerda dos braços cansados, do medo suculento das pálpebras caídas. Deve ser do rastro apagado da noite de ontem, as línguas são facas, porta-vozes dos nossos discursos ferozes, a casa do peito tem um telhado que só serve para esconder o céu. Deve ser disso que quero tanto falar, a palavra que escorre dos lábios e nasce num grito, nasce necessária, envolve (n)essa nudez coitada que é a roupa do corpo de sempre, nasce falida, pedindo perdão pelo encontro, desvirginando os poros, nasce impossível, indomável. Minha.

Ando seco, terrível, meio Clarice, falando do túmulo. A página do diário é aquela mesma de meses atrás, rabiscadas algumas linhas com o fôlego infantil da caneta nova, esperando um encontro no lixo. Cheios estão os olhos, um filme inevitável que despreza o meu gosto. Queria falar dos meus dias de férias de um nada expansivo e soberbo, as mil cores de julho na valsa dos meus planos, pouco dinheiro em copos cheios de sorrisos tão breves, tão nossos. Queria falar do meu pai na eterna véspera da colheita dos sonhos, me perder na ignorância das canções de mal gosto da alma e nesse pranto infindável que é pensar no que dizer. Quero.

Quero amar. Um café que desça bem rápido e um cigarro que faça sentido.