sexta-feira, 31 de julho de 2009

Intervenções durante à noite,

Há um tempo atrás iniciaria um texto de um modo um tanto poético citando como meus dias têm passado, diria outrora sobre as crianças que passam nas ruas e o finalizaria, talvez, dando um – péssimo, se assim posso dizer - conselho.

Mas hoje não, não nesta noite, deixei de sussurrar meus devaneios... Sim finalizo a maioria das noites sussurrando pequenos devaneios – inconfessáveis até para mim – para dar espaço à saudade do que muito estava só. E do que ainda permanece.

A realidade é que tudo o que anseio permanece aqui, como uma pequena chama. Você(s) é(são) como uma porta para a liberdade e vontade de ir além. A liberdade não só está em você(s) como está dentro de mim. E minha vontade de ir até você(s) permanece sempre. Duvidem se quiserem, mas é a realidade agora. Cheguei.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

O ser e o nada

Parece que minhas perguntas anteriores, feitas há uma semana, surtiram mesmo efeito. Uma semana sem nenhum texto postado.
Bem, como convidado pelas antigas donas da casa a fazer parte dela, temo frustrá-las com estes meus escritos - não tenho a menor ideia de como era o antigo Dubitável, e me parece que não se parecia absolutamente de nenhuma forma com o que vocês estão lendo agora. Sou mais um invasor que convidado. Mas, como sinto que há leitores impacientes esperando alguma coisa - qualquer coisa - para lerem aqui, tentarei satisfazê-los hoje, não com algo de minha autoria, mas de alguém que não é alguém que se despreze.
É um fragmento de um texto que se chama "Notas para a recordação do meu mestre Caeiro", escrito por Álvaro de Campos e publicado pela primeira vez na revista Presença, de Lisboa, em janeiro de 1931. É um texto breve, no qual Campos relata suas impressões sobre seu mestre Alberto Caeiro. (Se você ainda não leu a poesia de Caeiro, faça-o com urgência. O mesmo sobre Álvaro de Campos.) A um ponto da narrativa, nos deparamos com um diálogo entre os dois, no qual Campos diz ao outro que ouvira alguém dizer que Caeiro era um poeta materialista, o que ele não achava de todo um absurdo:
Caeiro ouviu-me com uma atenção de cara dolorosa, e depois disse-me brucamente:
"Mas isso o que é é muito estúpido. Isso é uma coisa de padres sem religião, e portanto sem desculpa nenhuma".
Fiquei atônito, e apontei-lhe várias semelhanças entre o materialismo e a doutrina dele, salva a poesia desta última. Caeiro protestou:
"Mas a isso que V. chama poesia é que é tudo. Nem é poesia: é ver. Essa gente materialista é cega. V. diz que eles dizem que o espaço é infinito. Onde é que eles viram isso no espaço?"
E eu, desnorteado: "Mas V. não concebe o espaço como infinito? Você não pode conceber o espaço como infinito?"
"Não concebo nada como infinito. Como é que eu posso conceber qualquer coisa como infinito?"
"Homem", disse eu, "suponha um espaço. Para além desse espaço há mais espaço, para além desse mais, e depois mais, e mais, e mais... Não acaba..."
"Por quê?", disse o meu mestre Caeiro.
Fiquei num terramoto mental. "Suponha que acaba", gritei, "o que há depois?"
"Se acaba, depois não há nada", respondeu.
Esse gênero de argumentação, cumulativamente infantil e feminino, e portanto irrespondível, atou-me o cérebro durante uns momentos.
"Mas V. concebe isso?", deixei cair por fim.
"Se concebo o quê? Uma coisa ter limites? Pudera! O que não tem limites não existe. Existir é haver outra qualquer coisa e portanto cada coisa ser limitada. O que é que custa conceber que uma coisa é uma coisa, e não está sempre a ser uma outra coisa que está mais adiante?"
Nessa altura senti carnalmente que estava discutindo, não com outro homem, mas com outro universo. Fiz uma última tentativa, um desvio que me obriguei a sentir legítimo.
"Olhe, Caeiro... Considere os números... Onde é que acabam os números? Tomemos qualquer número - 34, por exemplo. Para além dele temos 35, 36, 37, 38, e assim sem poder parar. Não há número grande que não haja um número maior..."
"Mas isso são só números", protestou o meu mestre Caeiro.
E depois acrescentou, olhando-me com uma formidável infância:
"O que é o 34 na Realidade?"

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Uma brevíssima introdução

Bem, visto, como vocês devem ter observado, que nós ostentamos tão orgulhosamente e tão presunçosamente o fato de de tudo duvidarmos, de vermos o mundo tão ceticamente e a ele impormos sempre, sem dó nem piedade, um grande ponto de interrogação, talvez fizéssemos bem em começar duvidando do próprio estatuto de um blog. O que é um blog? De onde veio? Para onde vai? Por que as pessoas leem blogs? Por que as pessoas seguem blogs? Por que ressussitar um blog depois de tanto tempo (esta é uma segunda versão de Dubitável) se, morto, ele não fazia mal a ninguém?
A partir daí, decidi-me empreender um profunda investigação sobre o assunto e desenvolvi algumas teorias, as quais, claro, não aprofundarei aqui, apresentando apenas suas linhas gerais. A primeira pergunta que me fiz foi: como alguém consegue, nesses tempos em que ninguém tem tempo, ter tempo para seguir blogs? Confesso que, a princípio, essa questão quase me tirou do sério. Mas aí tive um daqueles insights: provavelmente, as pessoas não tem tanto o que fazer assim... Falta do que fazer... Achei essa uma ótima teoria. Mas posso estar errado, ninguém é dono da verdade. Por isso, duvidem de mim. Só não fiquem ofendidos.
Italo Calvino dizia ser uma das maiores revoluções antropológicas do século 20 a criação do retrovisor interno do carro, que permite ao motorista olhar para frente e para trás ao mesmo tempo, sem necessariamente ver seu reflexo. Seria um blog uma revolução antropológica da mesma magnitude de um retrovisor? Difícil.
No entanto, prosseguindo minhas meditações, deparei-me de repente com uma pergunta que me deixou assustado. Por que as pessoas escrevem blogs? Por que estou me dando ao trabalho, neste exato momento, de escrever um texto e postá-lo num blog? Bem, nesse curso de minhas reflexões, observando que o ponto de interrogação se voltava contra mim, resolvi deixar quieto.